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domingo, 1 de junho de 2008

Jeitinho mineiro de fazer queijo é patrimônio cultural imaterial

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional registra no Inventário Nacional de Referências Culturais o processo artenasal da produção de queijo em Minas Gerais
Marina Lemle

O modo de fazer queijo artesanal de Minas Gerais agora é patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Aprovado em 15 de maio de 2008, o registro no Inventário Nacional de Referências Culturais destaca a forma tradicional de se fazer queijo em quatro regiões do estado: Serro, no nordeste; Serra da Canastra, na região central; Salitre/Alto Parnaíba, ou Serra do Oeste; e Araxá, no Triângulo Mineiro.


De acordo com o historiador José Newton Coelho Meneses, da UFMG, que coordenou o estudo que embasa a inclusão no inventário, o registro da tradição técnica é uma vitória para o estado. “Fazer queijo é uma atividade econômica tipicamente familiar em Minas. É a síntese do que é a fazenda. A cultura não é imaterial, ela é materializada nas manifestações”, diz.
Segundo Meneses, os queijos dessas quatro regiões têm características distintas na textura, sabor e carga microbiana, devido ao tipo de pastagem ingerido pelas vacas, o clima e a altitude locais. Já o modo de fazer é muito parecido, apesar de haver diferenças sobre quem faz: na Canastra e no Alto Parnaíba há muitas mulheres na produção; no Serro, elas estão vetadas – diz-se que têm mão quente, ou impregnada de cosméticos, ou que o ciclo menstrual interfere no produto.
Ele acredita que, além do reconhecimento identitário do queijo mineiro, o registro reforçará sua segurança alimentar e seu valor econômico.

Queijo DOC


A pesquisa sobre o modo de fazer queijo mineiro começou em 2004, quando associações de produtores locais pediram ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) o registro da tradição como patrimônio imaterial do estado. O movimento nasceu como resistência à propaganda de que o queijo artesanal faria mal à saúde e que sua produção deveria ser proibida. As associações se uniram numa luta contra a legislação restritiva e a favor da qualidade do produto.


Meneses, que também é veterinário, explica que o leite cru, não pasteurizado, se matura e se transforma num produto melhor. “Os micróbios podem ser benéficos à saúde. Os micróbios próprios do leite dão qualidade, não há risco alimentar, muito pelo contrário”, garante, acrescentando que os únicos riscos seriam a brucelose e a tuberculose, doenças fáceis de controlar no rebanho.


O pesquisador afirma que os produtores hoje têm grande preocupação com a qualidade e querem instituir o selo DOC - Denominação de Origem Controlada - cujo controle seria feito por associações produtoras, como é feito na França, onde o Estado fiscaliza o rebanho e a água. Através de uma associação, o produtor aganha o selo DOC.


Meneses observa ainda que o movimento em favor da produção do queijo artesanal com qualidade se coaduna com a tendência da valorização da ruralidade e o slowfood, movimento internacional, na contramão da tendência do fastfood, defende que as pessoas comam bem e devagar.


Origem portuguesa


Trinta mil famílias trabalham com queijo artesanal em Minas Gerais, segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). A tradição começou de uma colonização portuguesa do século XVIII, que trouxe heranças como o queijo da Serra da Estrela, no centro de Portugal, feito lá com leite de cabra e de ovelha e aqui com a matéria prima local.


Autor de O continente rústico-abastecimento alimentar nas Minas Gerais setencentistas, Meneses conta que em Portugal usava-se a flor do cardo para coagular o leite, enquanto aqui usavam-se fragmentos de estômago de animais, um saber mouro praticado até o início do século XX. Hoje usa-se um produto lácteo coagulante produzido em laboratório, a enzima pepsina.
O pingo e outros segredos


Meneses tem uma relação antiga com seu objeto de estudo: seu pai era produtor na região do Serro. Como legítimo herdeiro cultural, à vontade ele abre o jogo:
“O segredo do queijo artesanal é o pingo, o fermento feito do soro do queijo do dia anterior. O pingo é a unidade identitária do produto.”


Ele conta que há uma tradição de troca de pingos entre fazendeiros. “A troca de informação é uma coisa impressionante. Sempre há discussões sobre o pingo. É motivo de orgulho”, diz. E ensina: o queijo deve ser mantido fora da geladeira, lavado só com água duas vezes ao dia, assim como a tábua, para matar a contaminação externa e hidratá-lo. Deve ser guardado preferencialmente numa queijeira de madeira arejada, ou em queijeira de tampa furada ou ainda sob cobertura de bolo.
Fonte: Revista de História; 15/05/2008 - www.revistadehistoria.com.br

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